sexta-feira, dezembro 19, 2014

Seus pensamentos podem nem ser seus. E certamente você não é seus pensamentos.

Por alguma razão (talvez esotérica) as pessoas tendem a me revelar coisas muito íntimas das suas vidas e dos seus sentimentos. Ontem isso aconteceu de novo. Eu acho que tenho um certo talento para ajudar as pessoas a enxergarem as coisas de uma outra perspectiva. Isso pode ter a ver com o fato de eu ter sido obrigado pela vida a fazer isso. Mas isso é assunto do outro Blog.

Pois bem. Neste caso havia muitas circunstâncias que levaram a pessoa a um estado mais ou menos constante de sofrimento psicológico e até mesmo físico. E ao ouvir a história e prestar atenção à conduta adotada frente a situação enfrentada, eu percebi qual era o problema. Resolvi escrever sobre isso, porque acho que sem expor a pessoa de maneira alguma, talvez eu consiga ajudar muitas outras que sofrem no mesmo padrão recorrente (como foi inclusive o meu caso por muitos anos).

A primeira causa raiz que eu encontrei foi uma frustração ligada a uma auto-imagem desejada. E quando falo de imagem, isso não se resume ao que é visível, embora este seja um componente importante. Me identifiquei muito com este relato. Acho que minha história de vida me tornou um profissional nesta doída arte da comparação com os outros e com um ideal muitas vezes inatingível.

Falando assim parece simples. Parece inclusive que a pessoa tem um problema em estabelecer conexões lógicas bastante óbvias. Mas é justamente aí que está a complicação. A falta de consciência dos efeitos do meio sobre si mesmo ou sobre os outros é o que muitas vezes leva a este diagnóstico simples, porém absolutamente equivocado.

Somos seres sociais. Isso tem implicações profundas e espalhadas por todos os âmbitos de nossas vidas. O ponto é que muitas destas implicações se tornam ainda mais poderosas por estarem ocultas e, portanto, não serem consideradas nos julgamentos que se fazem. Um exemplo simples é subestimar a importância crucial da aprovação das pessoas que nos cercam. Ao fazer isso, uma pessoa também acaba não compreendendo que muitos dos juízos de valor que lhe parecem mais íntimos, nada mais são do que um reflexo do ambiente social. Exemplo meu: tenho a impressão de querer intimamente estar aderido aos padrões sociais correspondentes à minha classe econômica, meu nível de educação e meus círculos sociais próximos.

Mas na verdade, esse desejo é uma mistura de fatores. No fundo, de modo não sempre consciente, eu sei que o tratamento social recebido pelas pessoas que têm esta aderência é muito melhor. Assim, mesmo que pessoalmente eu não tenha um apreço especial por essas características, eu posso acabar tomando-as como desejos íntimos, que dariam sentido à minha vida.

O problema é que de fato alguns destes desejos podem ser impossíveis de se conseguir. Isso acontece porque ainda que haja uma integração parcial de pessoas distintas em um determinado grupo social dominante (como no meu caso, um deficiente físico com todas as outras prerrogativas de pertencimento à classe dominante em São Paulo), esta integração tem limites bastante rígidos.

Ao defrontar-se com estas restrições, o indivíduo sofre um baque bastante forte. Porque se a diferença é algo antigo, no fundo a pessoa sabe que teve de fazer esforços e sacrifícios bastante grandes para ser aceita, ainda que não completamente. Poderia se sentir traída, mas nem sempre isso acontece. Novamente o espelho social tem um papel preponderante na análise que se consegue fazer. Ao invés de compreender que há diferenças entre si mesmo e o grupo social de referência, e que estas direta ou indiretamente impedem a integração, os sinais recebidos do meio fazem com que muitas vezes, a frustração e a decepção tenham o próprio indivíduo como alvo.

Assim, a pessoa começa a se sentir inadequada, incompleta, quase como uma aberração. Ela não considera que a sociedade tem interesse em que as pessoas sejam de determinada maneira e que alcancem certos marcos de desenvolvimento em determinados pontos no tempo. Ela pensa, ao contrário, que este desejo é legítimo, e além disso, dela própria, íntimo.

É bastante razoável supor que esta situação gere grandes doses de sofrimento. Mas o que faz dela tão perigosa e danosa é o fato de a pessoa voltar sua energia para combater a si mesma. Ao invés de perceber o quão arbitrário e até incoerente é este julgamento social absorvido, a crítica interna se volta contra os próprios traços discrepantes e também os sentimentos causados por toda esta dissonância.

Debaixo do fogo cruzado, o próprio e o social, a pessoa passa a tentar desenvolver estratégias para combater esses sentimentos desagradáveis e que muitas vezes acabam gerando quadros patológicos. Uma das armadilhas mais comuns nestas situações é crer que ser possível controlar os próprios pensamentos e sentimentos. Esta é uma falácia bastante popular, mas que pode ser aniquilada de maneira bastante simples.

Se eu disser para mim mesmo, ou para qualquer outra pessoa, que evite pensar em uma girafa verde com bolinhas amarelas, o que estou fazendo é estimular este pensamento e não coibi-lo. Por isso, tentar controlar pensamentos e sentimentos é uma tarefa ingrata: quanto mais energia se gasta, menos se alcança o resultado desejado.

Mas as pessoas têm muita resistência em aceitar este fato porque a sensação de controle (e especialmente de auto-controle) está incrivelmente relacionada à felicidade. Assim a pessoa novamente se machuca, porque não importa seu nível de determinação e esforço, pensamentos e sentimentos são espontâneos. E quando o esforço é vão (o que acontece com extrema frequência) a frustração ganha uma nova dimensão. Essa frustração acumulada vai tornando a pessoa cada vez mais negativa e descrente no que está por vir (além de gerar um sentimento de culpa por não ser capaz de fazer algo que acreditava piamente ser possível).

Apesar de ter descrito o mecanismo perverso pelo qual a exclusão social se manifesta na psique humana, a conclusão deste texto não será em tom menor. Porque apesar de continuarmos sendo seres sociais e apreciarmos o feedback positivo das pessoas que nos cercam, é possível ter clareza sobre a separação entre nossas demandas e desejos íntimos daqueles que apenas absorvemos para depois projetar de volta ao meio.

A melhor ferramenta que eu conheço para fazer isso é a meditação. A explicação também não tem nada de esotérico. Meditar é treinar a atenção, para dentro e para fora. Quando você faz isso, percebe que sentimentos e pensamentos possuem uma natureza transitória e involuntária. Por isso, acaba sendo natural tratá-los de acordo, e assim gastar menos energia tentando controlar o incontrolável.

Além deste insight fundamental, um outro também surge ao mesmo tempo. Não é possível controlar pensamentos e sentimentos, mas é possível e desejável controlar onde focamos nossa atenção. Então o benefício é duplo. Porque simultaneamente reduzimos o gasto energético com uma tarefa impossível e ganhamos consciência de uma forma de controle que é fundamental ao nosso bem-estar. O treino da atenção revela e solidifica a certeza de que não somos nossos pensamentos ou sentimentos. A observação atenta revela que há mesmo distância entre estes e o que somos. Do contrário, não seria possível assumir a posição de observador destes fenômenos.

É muito interessante que além da capacidade de observar os próprios pensamentos e sentimentos como algo separado de nós mesmos, este treino da atenção também acaba possibilitando enxergar a separação entre nós mesmos e o mundo que nos cerca, permitindo saber com clareza quais são os nossos desejos, anseios e vontades e quais são os que apenas tomamos emprestados aos que nos rodeiam.

E não pense que esta separação nos afasta das pessoas. Na verdade acontece o oposto. A visão clara de quem somos permite que nossa curiosidade desabroche e que busquemos o conhecimento do outro e a proximidade de maneira muito mais honesta e serena.

Por isso, apesar de saber muito bem o quão deletério pode ser o efeito da sociedade sobre alguém que não possa ser completamente integrado devido à diferenças físicas, psíquicas, culturais, etc, (e o outro blog fala muito sobre isso) entendo que a serenidade continua ao alcance desta pessoa. Pode não ser uma tarefa fácil ou com resultados instantâneos. Mas ao contrário das terapias, a prática constante da meditação certamente trará benefícios, mais cedo ou mais tarde. E assim como a sua própria atenção, fazer isto só depende de você.

terça-feira, novembro 25, 2014

A coisa mais triste

Não quero chafurdar em tristeza. Não há praticamente nada bom em fazê-lo. Mas esta questão é relevante, e talvez a sua consciência possa melhorar a vida de outras pessoas. A deficiência pode trazer um tipo muito especial de solidão. Não é que ser deficiente implique em não ter amigos, embora isso também possa acontecer. A solidão de eu estou falando é muito mais profunda. Tanto assim, que se não for reconhecida, realmente pode destruir a vida de alguém.

O que significa estarmos juntos? Quais são as razões por trás da nossa natureza social e atração quase constante em direção a outras pessoas?

Talvez tudo isso surja de nossas necessidades básicas de origem primitiva, tais como comida, sexo e abrigo. Nós somos uma das espécies que mais se apoia nas estruturas sociais para que essas necessidades sejam satisfeitas. Nos primórdios da nossa espécie (e hoje só seria diferente com uma arma de fogo), um único caçador humano era um alvo muito fácil para os predadores mais bem equipados fisicamente. Não só isso, mas estes caras também seriam presa fácil de outros seres humanos. Concorrência perfeita intraespécie enfraqueceria toda a humanidade, tonando-a mais fraca e mais propensa a extinção.

Mas nossos cérebros enormes nos permitiram desistir dessa ideia de guerra total e unir forças, fazendo dos grupos sociais poderosas máquinas multiuso. De certa forma, as pessoas perceberam que os resultados da luta contra o meio ambiente e outros homens ao mesmo tempo trazem benefícios médios menores do que colaborar.

Mas isso tudo aconteceu há milhares de anos. E quanto a nós? Como nos relacionamos uns com os outros nessa sociedade altamente especializada? Talvez toda essa sofisticação que temos hoje seja apenas a evolução histórica natural de uma máquina de caça muito bem azeitada. Pode ser que os princípios básicos que nos fizeram permanecer unidos ainda estejam por aí. Quem sabe eles só tenham uma aparência externa diferente, exatamente por causa de toda essa sofisticação e complexidade.

De qualquer forma, parece-me que o ingrediente mais importante para que estes sistemas sociais funcionem é que os indivíduos tenham a capacidade de se enxergarem uns nos outros e em toda a sociedade. Quando alguém se vê em outra pessoa, já não há duas entidades completamente diferentes. Essas pessoas se tornam um novo organismo, que irá buscar satisfazer suas próprias necessidades, satisfazendo aquelas individuais por tabela.

Isto é verdade para um grupo de amigos, para uma família, uma cidade ou mesmo um país. Em todos esses casos, as pessoas precisam se identificar umas com as outras para que possam colaborar para alcançar objetivos comuns. A confiança floresce da consciência de que a pessoa na minha frente tem sentimentos, desejos e necessidades semelhantes às minhas, gerando empatia. Então teremos um denominador comum sobre o qual construir uma existência coletiva, que é muito mais interessante e mais rica do que a que cada um dos indivíduos poderiam criar de forma isolada.

Vínculos interpessoais são mais fortes quando as pessoas têm um contexto comum maior. Isso pode maximizar o alinhamento e fazer do acordo algo mais natural. Não é impossível ter um bom amigo que vive uma vida totalmente diferente da sua. Mas neste caso, a identificação e a troca podem ser limitadas e assimétricas, criando laços mais fracos (pelo menos em termos de amizade). Isso também é verdade em termos de distância física. Geralmente é muito mais fácil manter a amizade com pessoas que estão fisicamente próximas de nós. Isso aumenta a percepção de disponibilidade que temos delas, e amplia o contexto comum que temos uns com os outros. Muitas vezes duas pessoas são amigas próximas durante a escola e se afastam mais e mais à medida em que se envolvem em ambientes sociais diferentes.

Além da proximidade física, experiências comuns são extremamente importantes para a construção de afinidade. Talvez por causa do caráter evolutivo mencionado acima, as pessoas tendem a se sentir mais seguras e mais felizes quando podem compartilhar suas experiências. Não necessariamente porque os outros possam realmente fazer algo sobre um problema que estamos enfrentando (apesar de que este também pode ser o caso). Mas porque partilhar nos faz sentir mais fortes e mais capazes de enfrentar qualquer problema.

Isso pode ser uma boa explicação de por que as pessoas com deficiência, mesmo reabilitadas, podem se sentir tão mal e solitárias. Mesmo estando em condições muito melhores do que absoluta maioria das que nunca passaram por esse processo. Reabilitação é um trabalho árduo. Dói, pode sugar toda a sua energia, mas geralmente produz uma grande melhora funcional em comparação com não fazer nada (dependendo da natureza da condição subjacente).

O problema é que somos seres sociais. Raramente ter um desempenho melhor nas atividades diárias é suficiente. Executá-las de forma diferente da maioria das pessoas (no tempo ou maneira) significa perder a possibilidade de compartilhar experiências semelhantes. É claro que é melhor para uma pessoa ser capaz de caminhar mais lentamente e com uma bengala do que não ser capaz de fazê-lo. Seria muito estúpido não reconhecer isso. Mas esta perspectiva positiva não leva em conta as necessidades sociais. Cria-se a experiência surreal de ser um enorme sucesso e ao mesmo tempo um retumbante fracasso. A tese da "mera questão física" pode ser descartada neste exato momento. Alguém pode ser inteligente o suficiente para desempenhar todas as tarefas intelectuais que costumam resultar em algum grau de sucesso material. Mas há a questão do denominador comum. Ainda que essa pessoa possa, teoricamente, realizar todas as atividades necessárias para ocupar um certo cargo, ficam de fora as questões de percepção e também a parte da auto-motivação.

Isso se soma à qualidade desigual do mundo em que vivemos. Realmente é possível treinar uma pessoa um tanto deficiente para executar todas as tarefas necessárias para viver uma boa vida em sociedade. Mas o fato é que isso sempre será feito de forma diferente e, portanto, não haverá uma identificação e isso criará uma lacuna que, teoricamente, não necessariamente precisaria existir. Em outras palavras, a pior coisa da deficiência pode não ser a própria deficiência, com todas as suas dores e dificuldades. Pode muito bem ser a solidão. Porque talvez você seja capaz de fazer muitas coisas, mas ao mesmo tempo você ainda é muito diferente. Sua vida é muito diferente e por isso você não pode realmente ver-se nos outros e, geralmente, eles não podem se ver em você.

Fazer um esforço enorme para ser capaz e a capacidade propriamente dita são apenas uma pequena parte do caminho. O resto, embora fisicamente possível acaba sendo socialmente inatingível. Este é o paradoxo de reabilitação. E, na minha opinião, é a coisa mais triste da deficiência.

Reativando

Nada mais natural que um sujeito trabalhando com línguas tenha um blog em cada uma pra facilitar a vida de todo mundo. Esse aqui vai ser a versão em português. Não prometo traduzir tudo o que escrevi no Disability Matters, mas vou tentar mantê-los mais ou menos pareados. :)

quarta-feira, novembro 12, 2014

Disability matters. A learning journey.



Everybody believes knowing what disability is.That's probably where the problems begin. A completely different disability paradygm was created in the late 70's and early 80's. But general population still holds to the older conceptions of it. Disability is still often considered as an individual tragedy. Something destiny only brings to some less fortunated people. In other words, something to be tackled individually. This blog is aimed at destroying this misconception. Read more at vaphil.blogspot.com