quarta-feira, julho 19, 2006

Cético no divã - por Kiko Borger

- Olá
- Oi doutora.
- Tudo bem?
- Tudo, ótimo.
- Vamos começar?
- Bóra nóis.
- Então conte-me, qual o seu problema?
- Pfff!
- Como?
- Ahaha.
- Pois não?
- Problema? Qual deles você quer saber?
- O seu problema. Todo mundo que vem a um psicólogo tem um problema.
- Todo mundo tem mais de um problema, indo ou não ao psicólogo.
- Sim, mas o senhor deve ter um problema em especial, compreende?
- Não.
- Não compreende?
- Não um, vários.
- Sr. Pablo, o senhor me procurou. Algum problema o senhor deve ter.
- Eu e a torcida do Flamengo. Até porque o time vai bem mal das pernas desde que o Zico saiu.
- Sim, sim. Mas…
- Veja, a vida é cheia de problemas.
- Claro, eu concordo e…
- Cheia. Cheia mesmo.
- Pois é, mas…
- Todos temos que lidar com eles dia a dia, milhares de problemas.
- Milhares?
- Milhões, quem sabe. Quem sabe?
- É…é…o que eu ia dizer mesmo?
- A começar pelas contas a pagar, passando pelo trabalho…
- Ahã.
- Problemas familiares, sogra. Ou sogras, que é o meu caso.
- Afe! Ninguém merece mais de uma sogra.
- Aposto que você tem seus problemas, também.
- Peraí, como assim, mais de uma sogra?
- Não vem ao caso, no caso. Foi só um exemplo
- Sim, eu tenho.
- Como?
- O senhor tinha perguntado. Sim, eu tenho problemas.
- Me chame de Pablo, por favor.
- O senhor, digo, Pablo, você tem razão.
- Hrunf
- Todo mundo tem problemas, de todos os tipos, o tempo inteiro. Inclusive eu. E talvez esse seja o meu maior problema.
- Sim…continue.
- Olho pra vida e penso, por que tudo isso? O que eu vim fazer aqui? Ovo ou galinha?
- Ahã.
- As vezes me pego perguntando qual minha verdadeira razão de ser. Qual a razão do ser, de uma forma geral.
- Essa é difícil.
- Embora certa vez eu tenha conseguido livrar um paciente do terrível vício de usar calças roxas.
- Roxo é foda.
- Mas, quer dizer, se ele gostava de roxo, qual o problema? Deixa ele ser feliz.
- Tem essa também.
- Qual foi minha grande contribuição para o planeta, a sociedade, enquanto matéria e ausência dela?
- É.
- Se o nada existe, então ele não é nada, já é alguma coisa. – Dr. Silvia se levanta em direção a janela, onde desanda a chorar.
- Calma, calma, dra. – e vai abraçá-la.
- Ai ai – ela suspira.
- Muita gente se pergunta isso. Você não precisa ser muito útil para ganhar o direito de comer caviar, manja?
- Ffff, ffff – ela suspira.
- Relax, baby.
- Ffff, é né?
- Demorou!
- mmmm….
- Olha. Pensando bem, eu também estou com um tremendo problema no momento.
- Sério?
- Opa!
- Todo mundo tem problemas.
- Muito bem, todo mundo. Inclusive eu.
- E qual seria? Você me parece muito bem resolvido.
- Não tenho a menor idéia de como vou fazer pra pagar essa consulta.
- Ah tá. São 300 reais.
- Vamos falar sobre isso?
- Eu até queria, mas o tempo acabou. Desculpe.

Um comentário:

Anônimo disse...

Pablito,

fiquei um tempão adiando o momento de ler seus textos (sabe como é? a desculpa de sempre...."ando mto ocupada"). Impressionante como enquanto eu lia, em alguns momentos escutei sua voz dizendo isso para mim....como em uma das nossas boas conversas...

Esse último texto é ótimo...e acontece o tempo todo...

Quero mais!!! Que a Dinamarca te inspire cada vez mais...

bjos Paulinha